A Rita é casada. A Sofia não.

 
Sofia:  - Não dormi nada esta noite.

Rita:  - Então? Insónias?

 - Não, outra vez o vizinho de cima.
 - Como, outra vez? Passa a vida a acordar-te?
 - Faz barulho à noite, faz barulho de manhã.
 - Eh lá, sempre em festa?
 - Sei lá.

 - Mas é casado?
 - Não é esse tipo de barulho.
 - Ah ok, então?
 - Deita-se tarde, acorda cedo, mas é um selvagem, parece que faz de propósito.
 - Não podes fazer nada? Bater com o pau da vassoura no tecto, por exemplo?
 - Lembras-te da altura do pé direito lá de casa?
 - Ok, e subires para um escadote?
 - …

 - Estou a brincar, mas que barulhos é que ele faz?
 - Olha, de manhã oiço-o a assoar-se, vê lá.
 - Mas acordas com isso? A acústica é assim tão má?
 - É. E eu tenho sono leve, o problema é esse.

 - Não podes ir lá bater à porta?
 - Não lhe posso dizer que o oiço a assoar, vai achar que oiço tudo o resto e por acaso não oiço, é muito estranho. Percebo que acordou quando oiço a água a correr e depois, provavelmente já no duche, assoa-se. Mas não oiço conversas nem nada, só que não quero que ele pense que não tem privacidade nenhuma.
 - Mas podia saber que tu é que não tens boas noites de sono por causa dele.
 - Não é por causa dele, é por causa da acústica do prédio.
 - Melhor ainda, não estás a apontar dedos, estás só a desabafar que isto da acústica é uma chatice e tal…
 - Não posso dizer que o oiço no duche…

 - Pois… Olha… Imaginá-lo no duche até poderia ser uma imagem sexy.
 - A ranhoca estraga a imaginação.
 - Hahaha, imagino. Quer dizer, não quero imaginar. Barrque. E à noite, quais são os barulhos? 
 - Escusas de fazer esse ar de malandra porque ele é solteiro.

 - Solteiro? Isso é interessante. Que idade terá?
 - Para que é que queres saber? Tu és casada.
 - Mas tu não.
 - E continuas com o ar de malandra. 
 - Hoje à noite vais a casa dele. E se não fores vou eu.
 - O que seria?!
 - O que será? Essa é a questão. Tens um vizinho solteiro, do que é que estás à espera?
 - Não sei nada dele.
 - Sabes que é asseado, toma duche todas as manhãs.

 - Hahaha, que engraçada.
 - Olha que comecei a brincar, mas já não estou. Que idade é que ele tem?
 - Oitenta e nove.

 - Oh. Sofia!
 - Sei lá, Rita, não o conheço, já te disse. E não estou desesperada.
 - Toc toc toc, desculpe aparecer assim, mas precisava de desabafar consigo…
 - … que você se assoa todas as madrugadas e isso acorda-me? Achas mesmo?
 - Ok, temos de arranjar outro ângulo. Já sei!
 - Estou há cinco minutos a revirar olhos, não reparaste?
 - Sim, mas fingi que não porque estou a adorar a minha ideia. A tua amiga é a maior. Vou ser madrinha do enlace!
 - Que irritante!
 - Ser madrinha ou dizer “enlace”?
 - Hahaha!
 - Faz de conta que recebeste uma carta no correio que era para ele e vais lá entregar.

 - És um génio.
 - Eu sei.
 - Estava a ser irónica. Posso simplesmente pôr a carta na caixa de correio dele.
 - Bolas.
 - Não te consumas, a sério. Só desabafei que não dormi, está tudo bem.
 - Ok. Então coloca aqueles algodões nos ouvidos para dormires melhor.

 - Isso, agora a conversa melhorou.
 - Mais tarde ou mais cedo hás-de cruzar-te com ele no elevador.
 - Porreiro, vou ter de confirmar se o nariz dele ficou bem limpo.
 - Hahaha
 - Quem é a engraçada agora, quem é?
 - Parva.