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"Vou só beber uma cerveja"

"Vou só beber uma cerveja"

Maria João: - O que é que se passa?

Rita:  - Estou tristíssima com uma que o Rodrigo me fez mas, na verdade, foi um bocado bem feita.

 - Então?

 - Sábado à noite. Este Sábado. Quase 10h, os miúdos finalmente na cama e ele diz-me “posso ir beber uma cerveja com o Manel e o João?”.

 - Que amor, a pedir autorização.

 - Foi o que lhe disse “o que é que queres que te diga? Que não? Com certeza que vais, mas agora é que avisas?”. E ele: “Ah, só agora é que eles combinaram.” Confesso que estas pequenas mentiras me irritam solenemente. Não são graves mas é a tentar safar-se, tipo criança. Claro que combinou mais cedo, mas enfim…

 - Eu bem digo que ele é o teu filho mais velho.

 
 - Completamente. Porque é que não me disse mais cedo, olha os meus amigos estão a pensar ir beber uma cerveja mais logo.

 - Nunca percebi essas cobardias nos homens.

 - O que é que ele estava à espera, que eu dissesse que não?

 - Mas se calhar ias ficar triste e assim adiou a cena.

 - Eu fiquei e fico triste mas não lhe ia propriamente fazer uma birra.

 - Mas é como os nossos filhos, quando dizes ao teu Gonçalo o que é o jantar, fica amuado até lá se forem legumes.

 - Pois... Eu não amuo, mas sim, calculo que seja isso. Agora, nunca lhe disse que não, irrita-me o sonso “ah e tal, posso? Só soube agora”.

 
 - Mas porque é que disseste que é bem feita, até parece que mereces, tu nunca fazes estas escapadelas.

 - Até posso fazer e sei que precisamos, mas realmente ao Sábado à noite, dia de família, não faço. Nisto eles são mais egoístas.

 - Mas então porque te sentes culpada?

 - Porque quando lhe mostrei que tinha pena que ele saísse a um Sábado à noite, ele disse “o programa é ir dormir, Rita, para isso vou beber uma cervejinha...”

 - Porque é que o programa é ir dormir? Estás naquela altura do mês, não podes...

 - Parva, não é isso. É que realmente é o que acontece. Vou para a cama assim que deitamos os miúdos, leio um bocado e de repente já desmaiei.

 - Acordas de madrugada senhora directora.

 - Eu sei, mas realmente não sou então a melhor companhia. Mas ainda por cima este sábado até pensei em vermos um filme na cama, coisa que não fazemos há anos.

 - Desde quando é que têm televisão no quarto?

 - Levava o computador, víamos qualquer coisa.

 - Ah ok. Mas não lhe disseste isso.

 - Disse. Ele riu-se. Nem foi com maldade, coitado, é que realmente eu já sugeri vermos um filme algumas vezes e acabo sempre por quinar. Às vezes até a adormecer o meu baby.

 - Pois.. tens de arranjar energia para lhe fazeres companhia à noite.

 - E depois adormeço a editar textos.

 - Essa revista está a dar cabo de ti.

 - A revista não, os horários, a revista eu adoro.

 - Porque é que não entras mais tarde? Dorme mais um bocado, ninguém te obriga a ir tão cedo, ainda por cima és a directora.

 - Por isso mesmo, por ser a directora. Tenho de ser a primeira a chegar. Para já, é quando mais rendo, ponho em dia os milhares de mails que acumulo, o resto do dia é a apagar fogos e tenho mil pessoas a entrar pelo gabinete a dentro. E além disso, isto de ser mulher... Não tens noção do difícil que é ser mulher e ter este cargo.

 - É um orgulho, amiga, é o que é.

 - E uma carga de trabalhos e um casamento a apagar-se.

 - Não exageres. Ele sabe como é a tua vida, nem que seja porque te vê a sair da cama todas as madrugadas. Tens de ganhar energia e aparecer-lhe com uma lingerie fantástica depois dos miúdos se deitarem. Uma noitada. Vá, mais perto do fim de semana para aguentares.

 - Que horror. Só de imaginar, sofro por antecipação.

 - Mas sabes como é, temos preguiça mas depois até sabe bem. E é como a ginástica, quanto mais fazes, mais queres fazer.

 - Por isso é que eu não faço.

 - Rita! Tens de mudar a postura, se não realmente há cada vez mais cervejas.

 - Eu sei. Estava a tentar ser engraçada, parece que levei um pontapé mas nem devia sentir-me magoada porque a culpa é minha.

 - Também não te culpes, chama isto um abrir de olhos e é isso que vais fazer. Com muito café à mistura, para ajudar.

 - Isso.

 - Boa.

 - Adoro-te, Mary John, sabes disso?

 - E o teu homem também te adora. Não duvides nem por um segundo. Temos é que batalhar para manter isso. Falo também por mim. É fácil estarmos encostadas à rotina, ao cansaço, ao nosso ritmo maluco. E eu não acordo de madrugada.

 - Mas chegas a casa de madrugada.

 - Tem dias.

Mar 27, 2019

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